sábado, julho 03, 2010

CIRCULO

O símbolo do círculo (3)


Na aurora da Renascença uma mudança revolucionária começou a ocorrer na concepção que o homem fazi a do mundo. O movimento "para o alto" (que alcançara o seu clímax no final da Idade Média) foi inverti do; o homem voltou-se para a terra. Redescobriu as belezas do corpo e da natureza, fez a primeira viagem de circunavegação do globo e provou que o mundo era uma esfera. As leis da mecânica e da causalidade tornaram-se o fundamento da ciência.
O mundo do sentimento religioso, do irracional e do misticismo, que tivera um papel tão importante na época medieval , estava cada vez mais oculto pelos triunfos do pensamento lógico.
Da mesma maneira, a arte tomou -se mais realista e mais sensual. Libertou-se dos temas religiosos da Idade Média e abrangeu a totalidade do mundo visível. Foi dominada pela multiplicidade de aspectos da terra, por seus esplendores e horrores, e tornou-se o que fora a arte
gótica: um verdadeiro símbolo do espírito da época. Assim, dificilmente poderemos considerar acidental a mudança ocorrida também na arquitetura eclesiástica. Em contraste com as elevadas
catedrais góticas, fizeram-se mais plantas baixas circulares. O círculo substituiu a cruz latina.
Esta mudança de forma, no entanto — e é o que importa para a história do simbolismo —,
deve ser atribuída a causas estéticas e não religiosas. E a única explicação possível para o fato
de o centro dessas igrejas redondas (o verdadeiro lugar "sagrado") ser um espaço vazio, enquanto o altar se ergue fora deste centro, no recanto de uma parede. Por este motivo não se pode descrever este plano como uma mandala. Exceção importante é a Igreja de São Pedro, em Roma, construída segundo plantas de Bramante e Miguel Ângelo, situando-se o altar no centro.
Temos a tentação de atribuir esta exceção à genialidade dos arquitetos, pois os grandes gênios
transcendem sempre a sua época.
A despeito de alterações consideráveis nas artes, na filosofia e na ciência produzidas pela
Renascença, o símbolo central do cristianismo manteve-se imutável. O Cristo continuou a ser
representado sobre a cruz latina, como ainda hoje. Isto significava que o centro do homem religioso permanecia baseado em um plano mais elevado e espiritual do que o do homem terrestre, que retornava à natureza. Assim, fez-se uma divisão entre o cristianismo tradicional e a mente racional ou intelectual. Desde aquela época, estes dois aspectos do homem moderno
nunca mais se encontraram. Com o correr dos séculos, e à medida que se ampliava o conhecimento da natureza e de suas leis, esta divisão mais se alargou; e ainda hoje em dia separa a psique do cristão ocidental.
Certamente, o breve resumo histórico que aqui apresentamos foi muito simplificado. Além
do mais, ele omite os movimentos religiosos secretos dentro do cristianismo que cuidavam, nas
suas crenças , do que era ignorado pela maioria dos cristãos: o problema do mal, do espírito ctoniano (ou terrestre). Tais movimentos foram sempre minoritário s e raramente exerceram
qualquer influência visível. A seu modo, porém, realizaram o importante papel de um acompanhamento em contraponto com a ES piritualidade cristã.
Entre as muitas seitas e movimentos que surgiram por volta do ano 1000, os alquimistas
ocuparam lugar especialmente importante. Exaltaram os mistérios da matéria e colocaram nos
no mesmo plano daqueles de espírito "celeste" do cristianismo. O que buscavam era a totalidade humana que abrangesse corpo e mente, e para representá-la inventaram inúmeros nomes
e símbolos. Um dos seus símbolos principais foi a quadratura circuli (a quadratura do círculo), que nada mais é que uma mandala.
JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1964.